A Vida Sem Rodinhas.
Lembro dos momentos importantes da infância, e também do
desimportantes, meu pai estava a postos empunhando uma máquina fotográfica. A consequência?
A cada gaveta que eu abro em casa, saltam fotos diversas, sem contar as estão
confinadas em álbum e porta-retratos. Dessas tantas, há uma pela qual tenho um
carinho especial: é uma foto que estou andando de bicicleta, ao cinco ou seis
anos de idade. Naquele dia eu andei sem rodinhas pela primeira vez. Dei várias
voltas sem cair, até que meu pai clicou o flagrante: a pirralha com a maior
cara de vencedora, dona do campinho, se achando. Eu realmente estava degustando
aquela vitória.
Se a foto tivesse legenda seria “Viu”
As rodinha são um base protetora para iniciantes, uma
segurança para quem ainda não tem domínio da coisa. Que coisa. Qualquer coisa.
Me corrija se eu estiver errada: a gente usa rodinha até hoje.
Quando se escreve um livro, por exemplo, as rodinhas são
as cenas não inventadas, o sentimento de verdade, vivido com qual a gente ampara a ficção.
Quando tem filhos, as rodinhas são a herança da educação
que nossos pais nos deram, a parte hereditária que, mesmo questionada, sustenta
nossas primeiras decisões.
Quando nos apaixonamos, as rodinhas são a repetição de
certos clichês, a partilha de nossos ideais e certezas, mesmo sabendo que em
breve entraremos em terreno movediço, desconhecido.
Quando se aceita um novo emprego, as rodinhas são a nossa
experiência anterior, o que facilita a arrancada, mas depois é preciso andar
sozinho.
Viver sem elas torna tudo mais perigoso, vulnerável, e ao
mesmo tempo, emocionante. Nos faz volta a ser criança: será que estou agindo
certo, será que estou indo rápido, ou lento demais? Atenção: Lento demais, cai.
É preciso saber viver sem um suporte contínuo para que
possa firmar o próprio caráter. Quem não sai da barra da saia da mãe nunca
consegue se equilibra sozinho. Quem não soltada a mão do pai não vira homem.
Quando é que sabemos que estamos aptos a andar por nossa
conta? Se o assunto é bicicleta, aos
cinco, seis, sete, até ao dez anos, dependendo do ritmo da estabilidade de cada
um.
Quando se trata da vida, também depende. Mas usa-las para
sempre nos impede de sentir o gostinho de conseguir, de vencer, de atingir
nossos objetivos por mérito próprio.
Nos impede de
provocar: “Viu” .
Nada nos dá tanto orgulho do que mostrar aos outros __ e a nós mesmo __o quanto podemos.
Retirado do livro Feliz por Nada de Martha Medeiros
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